O queijo e os Vermes - "Romanceado".



Lá estava Menocchio sentado perante o inquisidor. Menocchio, um pobre moleiro de Montereale estava mais uma vez perante os representantes da igreja se explicando por palavras ditas, palavras estas que já haviam lhe causado outros interrogatórios à 15 anos. Parecia que os três anos de prisão não “expulsaram” o demônio de seus pensamentos e mais uma vez se explicava perante as autoridades eclesiásticas.

O forro da cadeira não estava confortável há muito. Menocchio, um interlocutor sagaz, rápido e desafiador, provavelmente o mais louco de todos, contudo o mais sensato em suas loucuras.
“Então, para o senhor Jesus não era filho de Deus” perguntou o inquisidor em desafio. “Somos todos filhos de Deus, e mesmo assim nascemos de uma mulher e de um homem como deve ser e como Jesus provavelmente foi gerado, mesmo sendo O escolhido pelo espírito santo e sendo o melhor dos homens eram tão carne e homem quanto os mais santos dos homens da Igreja”. A resposta era ao mesmo tempo uma negativa e uma afirmação, em seu histórico de interrogatórios Menocchio sempre deixava a duvida na mente dos inquisidores, se realmente eram heresias contra Deus ou uma interpretação simplória da divindade da trindade.
“Então se Deus é Ar, Jesus é Terra e o Espírito Santo é água você esta dizendo que o Espírito Santo possui um corpo, já que o Ar e a Terra são os corpos de Deus e Jesus respectivamente?” O inquisidor iniciou calmo e foi ganhando força enquanto caminhava na direção do moleiro sentado à cadeira. “Eu disse que Deus esta em todas as partes e isto são analogias comparativas, Deus esta em todas as partes, Deus é tudo que desejar ser e ser tudo que quiser ser ao mesmo tempo...”
Prontamente como se guardasse uma faca escondida o inquisidor puxou a frase que parecia escorrer dos seus lábios dês do inicio do interrogatório. “Então esta dizendo que Deus pode ser um demônio e todo o inferno?” Menocchio não parecia aturdido pela pergunta mortal e respondeu de forma rápida e calma - “Deus pode ser tudo que há de bom neste mundo, pois Deus é a representação máxima de tudo que à de bom, logo a Santa família jamais poderia ser representante do mal e de nenhum de seus fazeres...”
 
Carlos Ginzburg Nascido em 15 de abril de 1939 (72 anos) na Itália.
Antropólogo.
O conto acima é inspirado no livro “O queijo e os Vermes” de Carlos Ginzburg. Um livro do mais alto nível de excelência. Pena que não recomendo para leitores típicos de romances, pois é um livro acadêmico. Mas acho que pude instigar ao menos a vontade de leitura deste fantástico livro. É um livro pequeno, menos de 250 paginas contando a história verídica, retirada direto da documentação da inquisição do século XVI, sobre um moleiro chamado Menocchio que atribuía à origem do universo, o gênese, com uma analogia da feitoria do queijo, onde os anjos eram os vermes que surgiam espontaneamente assim como Deus foi “tomando consciência” neste mesmo processo.
É até mesmo impactante conseguir imaginar os pensamentos deste homem, um camponês dos anos de 1560, com tantas idéias incríveis. Saber que um camponês de uma cidadezinha sabia ler e escrever, e tivera acesso a poucos volumes (poucos em relação à quantidade infinita que temos hoje), conseguiu instigar tamanha curiosidade com suas conjecturas que seu processo de heresia é um dos maiores ou até o maior de uma única pessoa do campo, já registrado. Como o autor diz, Menocchio é único, e complemento, pois não ficou anônimo.
O livro balança a imagem da Igreja, e consecutivamente da inquisição, como mão esmagadora sem misericórdia. Se assim fosse à sua totalidade Menocchio seria morto depois do primeiro interrogatório. Os inquisidores para entregar o julgamento às autoridades deveriam, e faziam questão, de esclarecer todas e quaisquer duvidas sobre o caso. Às vezes, como se vê mais para o final do livro, tortura era comumente aplicada, mas curiosamente a aplicação da tortura era proporcional ao estado da saúde do interrogado. Não que isso torne a tortura louvável, mas vale lembrar que a violência era, e até hoje é em algum grau, o cotidiano popular. Ser violento e viver nesta violência são o comum da época, assim, não sem propósito que castigos violentos eram a regra.
Relativize, o período de Menocchio estava bem próximo do período chamado “reforma protestante”. Isto é, a Igreja católica estava começando a ter seu poder contestado com mais força e isso, supostamente, seria um excelente motivo para uma rápida e dura punição de qualquer investigação de heresia, contudo, Menocchio vive muito, muitos anos até ser punido com todo o rigor da “lei”. Então, pense a igreja realmente era o monstro cortador de cabeças e fazedora de churrasco como se é de conhecimento publico?
Se pergunte, se não fosse à ação da Igreja católica, na era medieval, principalmente, será que a cristandade teria 1/3 da força que tem hoje?
Duvido muito...
Sem dar mais informações sobre o livro, é uma ótima fonte de conhecimento de uma realidade que pouco interessa ao cinema e o mundo do entretenimento em geral.

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