A história do medo no ocidente se torna uma miscelânea de
informações do período de 1300 até 1800 contendo informações finamente
garimpadas nas mais diversas fontes e registros históricos, durante muitos anos
de pesquisa. O período é diverso, mas segue todo um padrão europeu de contar,
mesmo tendo as Américas descobertas no final do século XV, estas praticamente
não são citadas, no tocante dos colonos, no transcorrer do livro. Temos o foco
totalmente na Europa dos nobres corajosos e nos camponeses supersticiosos, com atenção
maior nas mazelas do coração humano e o “vestindo” com o menos nobre dos
sentimentos, o medo. Uma rápida citação demonstra isto logo no inicio do livro,
ainda na parte introdutória: “O medo é a prova de um nascimento baixo” (Eneida,
IV, 13 – História do Medo no Ocidente, Intro, pag 15).
A introdução tem inicio com a descrição, muito curiosa e de
gostosa leitura, da cidade de Asgsburgo em 1580. Delegando a parte introdutória
a obrigação de ser didático e explicando as razões o que fizeram o autor a
pesquisar este tema. Nesta parte conhecemos um pouco melhor o autor e
compreende-se o motivo de seu foco narrativo.
A partir da introdução o autor parte para uma forma mais
dialética do assunto tema de sua obra, o medo. Procurando contra por as
manifestações políticas, sociais e econômicas ao caráter do receio e o medo do
outro; entenda que o outro citado é sempre o estrangeiro e tudo que for
desconhecido, tanto natural quando místico. Temos assim capítulos estruturados
em uma cadeia genérica de manifestações do medo, e por sua vez subdivididos
sessões que procuram esmiuçar mais profundamente e detalhadamente cada um dos
capítulos que compõe. Isso é a constante nas mais de seiscentas paginas que
compõem o livro.
Sabendo da estrutura usada e do tema, prepara-se para um
conteúdo que pode lhe surpreender e instigar muita curiosidade. O autor se
pauta firmemente em relatos históricos, em documentos da igreja e cartas
escritas nas variadas épocas. Curiosos relatos são a principal atração dos
fatos relatados. Notamos contudo um texto especifico, garimpado para aflorar
toda e qualquer história de medo, e julgando em camuflado ou manifesto e
iniciando o ralato logo no primeiro capitulo sobre o medo que ele, o autor,
julga sendo o mais límpido sem falcas aparências, sendo assim ele atribui ao
mar e vem com ricos meandros e curtos debates de épocas sobre este medo e mesmo
para os bravos que o desbravavam, o medo seria o limite da ousadia e a
distinção de uma tendência ‘Nobre coragem” ou de um plebeu aterrorizado.
Percorrendo os mistérios ele vai desembocando de forma muito natural e até
relativa nós próximos temas, ou melhor, nós próximos tipos de medo. Fantasmas
tem todo um conteúdo especial logo depois do mar e anterior ao medo da noite.
As trevas têm importância grande na parte do medo e
englobam uma gama de outros menos consigo. Aqui nota-se muitos medos geradores
de tantas lendas que temos na época contemporânea nasceram lá nos séculos XV e
XVI, como o curioso relato documentado por padres, e principalmente estes sobre
animais, no caso lobos, que invadiam as cidades e devoravam as pessoas sem ao
menos rasgares as roupas, uma ligação direta aos atuais lobisomens do nosso
atual folclore literário e popular. Ligando as trevas, temos a peste, com a
peste bubônica acompanha um grupo de doenças que foram epidêmicas em mais
diversos momentos do ocidente.
O medo entra por uma parte mais voltada ao físico e a
carne quando se aborda o tema das sedições. Os padres e as mulheres são temas
abordados em especial, as sedições dos camponeses são relatadas e dialogadas
com os relatos abordados, mas os fatos mais interessantes são o medo em volta
da figura feminina, muito bem abordado revelando informações inusitadas e
curiosas. As mulheres são chamadas, em uma parte do texto, de “metade
subversiva da humanidade”, isto passa bem a idéia dos perigos que o feminino
trazia. Não por coincidência que as bruxas e as feiticeiras eram por definição
mulheres, o numero de homens que eram acusados e julgados por tais praticas
sempre foi, infinitamente menor.
Seguindo na segunda parte do livro, temos os medos
culturais e suas abordagens diversas, como se a própria cultura incentivasse o
medo. A parte escatológica é fundamental nesta parte do argumento, abordando os
medos que são guardados no coração que dos individuo independente da religião
do individuo. O satã, judeus, pagãos, a morte, e todo tipo de medo ou receio
que habita no coração do ser onde a única saída é a palavra de Deus. Mas um
fator interessante é que somente Deus poderia resguardar seus “filhos” do poder
do mau, já que o próprio Deus é incapaz de extirpar satã e todo o mau do mundo.
Feitiçaria não tarda a chegar, apesar de que todo o livro
vai se pautando, principalmente quando envolvem as trevas e os lobos, em
insinuar à freqüente influencia das forças da bruxaria e de feitiçaria no
transcorrer do tempo. Interessante quanto citar bruxarias e feitiçaria é
lembrar que inúmeras superstições e “simpatias” tem sua origem em costumes
pagãos, tanto de outras religiões diversas quanto especificamente da religião
judaica. A perseguição das praticas de bruxarias, e quaisquer costumes não
cristãos, foram veementemente combatidos e a inquisição teve mão forte contra tais
praticas. Mais para o final do livro, podemos encontrar uma tabela do numero de
execuções e a região que ocorreram no decorrer de algumas décadas. Muito
importante dizer, que as “marés” de execuções costumavam mudar ao gosto de
temporadas, como podemos perceber no texto. Sendo assim poderíamos até mesmo
detectar possíveis crises religiosas ou adventos de outros problemas, sejam de
ordem popular, de ordem nobre ou de demanda econômica, sempre tendo como
“norte” este crescimento da ação religiosa de tempos em tempos.
Analise critica
O valor da obra se mostra inquestionável, não só por sua
qualidade textual ou por seu cuidado em escrever sobre um grande numero de
relatos e documentos, mas se faz inquestionável por ser a obra que precedem
quaisquer outras do gênero. Faz parte da “História das mentalidades”, e faz
muito bem seu papel em apresentar o medo de inúmeras formas e maneiras, tanto
para cada individuo quanto no meio social, tanto para camponeses e burgueses
quanto para nobreza.
Porém, é preciso relativizar. Conhecendo um pouco do
autor e de sua formação e preferências, vemos que seu foco sempre envolve as
questões da igreja e isso não chegue a ser um problema do texto. Temos que
lembrar que, o historiador acha o que procura nos documentos e nas demais
fontes. A história é construída ou montada de acordo com o recorte, e neste
caso, a documentação a qual o pesquisador se faz preferência. Sendo assim é
preciso averiguar e analisar o quanto o medo realmente consta no dia a dia da
população. Por muitos momentos, pude perceber que o medo, já daquela época, é
tudo uma analise recorrendo de problemas comum, nada muito diferente do que
temos, e vemos, no nosso dia a dia, nos jornais e revistas que lemos e vemos
freqüentemente. Sendo assim, será que colocar o medo como a força motriz da
história e sentimentos humanos no período de 1300 até 1800 é julgar muito
unilateralmente questões previamente definidas pelo autor?
Sendo
historiadores e ou pesquisadores temos que saber absorver as informações de
quaisquer fontes, contextualizar, analisar, filtrar, etc, para podemos alçar a
alguma conclusão mais apurada para nosso próprio interesse e pesquisas. Esta
análise vai depender muito da “bagagem cultural” de cada leitor. Autores como
François Rabelais ou E.P Thompson, não me passaram em suas obras, Pantagruel e
Senhores e Caçadores respectivamente, este medo que parece permear
indistintamente a história abordada por Delumeau. Mesmo o foco de Senhore e
caçadores sendo nas leis inglesas do final do século XVII e primeira parte do
século XVIII, a obra mostra de forma natural que a percepção da pesquisa de
Delumeau, no caso o medo, é inteiramente ou grande parte, do foco todo especial
que ele da ao seu tema escolhido e não de fonte total da sociedade.
A contextualização é muito rica e intrigante. O trabalho
de pesquisa é primoroso e a forma de construir e desenrolar dos textos são
muito bons, mesmo que às vezes pareça se estender demais em um mesmo tema ou se
repetir em diferentes tempos, a História do medo no Ocidente é um livro de
cabeceira para qualquer pesquisador do da história moderna.
Recomendações
Um grupo de informações isoladas seriam muito
interessantes para leigos e/ou curiosos sobre o tema. Contudo a gama de
informações torna o livro por demais maçante, mesmo para um acadêmico, e se
tornaria pior ainda para um curioso da história ou afins. Este livro é de
extrema recomendação para qualquer pesquisador do período, do tema ou mesmo de
história em geral. Mas, de forma alguma recomendo esta leitura fora destes
interesses já citados.
Seria de interesse que as informações desta obra sejam de
conhecimento de muito mais pessoas que minha recomendação, contudo, cabe ao
professor ou alguém de uma área afim, sintetizar as informações do livro. Muito
curioso e interessante tema se apresenta, mas sintetizar as partes mais
agradáveis e importantes que alunos de ensino médio ou graduação se interessem
é uma missão do professor e/ou pesquisador.
Jean Delumeau, nascido em Nantes em 18 de junho de
1923. Estudou em colégio interno mantido pelos salesianos e lá teve seu contato
mais marcante com a o tema religião. É um historiador Frances especializado em
estudos sobre a história da igreja católica e autor de inúmeros outros trabalhos
relacionados com o tema. Dedicou-se a outros temas como o Renascimento e
recebeu um premio da Academia Francesa em 1967 devido este tema. Foi professor
da Cadeira da História das Mentalidades religiosas no período de 1975 até 1994
no Collège de France. Possui muitas obras publicadas e de importância
reconhecida, entre elas estão: A civilização do Renascimento e As grandes
religiões do mundo.
Autor da
Resenha.
Rafael
Mesquita Jacaúna, 25 anos, Fluminense, professor de história, integrante do
curso de pós-graduação da Universidade Federal Fluminense, formado pela
universidade Estácio de Sá.
Muito boa sua resenha, li o livro e adorei sua crítica!
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